CONSULTA N. 2008.960142-7
 
CONSULENTE: JUIZ DIRETOR DO FORO DA COMARCA DE DOURADOS
 
PARECER N. 040/2008
 
CONSULTA – CONTAGEM DE PRAZO NO ÂMBITO ADMINISTRATIVO – PECULIARIDADES DOS CASOS CONCRETOS – ATENDIMENT O À FINALIDADE DA LICENÇA OU CONCESSÃO – PERMITIR AO SERVIDOR AUSENTAR-SE DO TRABALHO SEM QUALQUER PREJUÍZO – ALVEDRIO DO MAGISTRADO - PRINCÍPIO DA RAZOABILIDADE
Senhor Corregedor-Geral:
O DD. Magistrado JOSÉ DOMINGUES FILHO, Juiz de Direito no exercício da Direção do Foro de Dourados, formula consulta acerca da contagem dos prazos no âmbito administrativo.
Destaca que, na direção do foro de Dourados, ocorreu divergência quanto à contagem do prazo, uma vez que foi deferido pedido de licença de servidor por motivo de falecimento de avô, contudo, sem indicar o fundamento legal, o responsável pelo Departamento Pessoal afirmou que houve equívoco na contagem do prazo.
Assevera que se o pedido for submetido à Administração, será indeferido.
Em razão do impasse, o ilustre magistrado faz os seguintes questionamentos:
1) Os prazos em dia, no âmbito da administração forense, são contados de acordo com o calendário gregoriano, de meia-noite a meia noite, totalizando vinte e quatro horas? Ou se contam pelas regras do Direito Penal, como induzido pelo Chefe de Departamento de Processamento e Registro Funcional do TJMS?
2) As atribuições do Chefe de Departamento de Processamento e Registro Funcional do TJMS envolvem a fiscalização jurídica e correicional dos atos do Juiz de Direito, na direção do Foro? Viabilizam que este dê pareceres, ordens verbais ou telefonemas, a respeito de requerimentos que sequer esgotaram seu trâmite no juízo a quo?
3) Qual a legislação que especifica a contagem de prazo administrativo, no âmbito do TJMS, excepcionando a regra dies a quo no computator, contida no artigo 66 e §§ da Lei Geral dos processos administrativos (LF 9.784/99)?
4) Em se aplicando a regra proposta pelo Chefe de Departamento de Processamento e Registro Funcional do TJMS, como ficaria, sob o prisma do princípio da isonomia, a situação do servidor que viesse a perder um dos parentes arrolados no art. 148, II, b, do ESPPJ, acaso exemplificativamente viesse a falecer às 18h30min, após o encerramento da jornada forense?
5) A contagem de prazo propugnada pela consulente, observando a vasta normação, contraria a Carta-Cidadã e a legislação infraconstitucional com ela compatível?
Manifestam-se à f. 12-14, a Diretora da Secretaria de Gestão de Pessoal e o Chefe de Departamento de Processamento e Registro Funcional do TJMS, afirmando que ocorreu apenas orientação do servidor, consubstanciado no entendimento dado aos casos de aposentadoria e incorporação, ou seja, de que se inclui o dia do começo, independentemente da data que ocorra.
OPINO.
Trata-se de consulta atinente à contagem de prazo no âmbito administrativo, haja vista a celeuma que se instaurou com a manifestação do chefe de Departamento de Processamento e Registro Funcional do TJMS, acerca do início da contagem para o servidor gozar do pedido de licença por motivo de falecimento.
A controvérsia reside na contagem do prazo administrativo, questionando-se: deve seguir a regra dos prazos processuais ou dos prazos penais?
Num primeiro momento, necessário esclarecer que o objetivo da concessão de licença ao servidor é permitir, diante de uma situação excepcional e prevista na legislação pertinente, a interrupção das atividades laborais.
O espírito da norma é possibilitar ao servidor ausentar-se do serviço, sem qualquer prejuízo, para atender uma situação familiar.
Tecidas essas considerações iniciais, impende salientar que incumbe ao juiz diretor do foro averiguar, ante ao caso concreto, a contagem dos prazos administrativos para que, diante das circunstâncias apresentadas pelo servidor, possa salvaguardar o seu direito de interromper as atividades laborais.
É justamente para atender as necessidades do servidor, que o artigo 117, incisos I, II, III, IV, VII e artigo 148, incisos II, alíneas “a” e “b” e III, alíneas “a” e “b”, todos da Lei Estadual n. 3.310/2006, prevê as faltas legais.
Consoante a dicção do artigo 117, incisos I, II, III, IV, VII e artigo 148, incisos II, alíneas “a” e “b” e III, alíneas “a” e “b” da Lei Estadual n. 3.310/2006:
Art. 117. Conceder-se-á licença ao servidor:
I - para tratamento da própria saúde;
II - por motivo de doença em pessoa da família;
III - à gestante ou à adotante;
IV – paternidade;
(...)
VII - para o trato de interesse particular;
Art. 148. O servidor poderá se ausentar do serviço, sem qualquer prejuízo, nos seguintes casos:
I - até dois dias:
a) para se alistar como eleitor;
b) por falecimento de avós, netos, sogros, genros ou noras;
III - até oito dias:
a) para casamento;
b) por falecimento de cônjuge, companheiro, pais, madrasta ou padrasto, filhos, enteados, irmãos e menor sob guarda ou tutela;
Com efeito, não há como aplicar regra geral a matéria que possui inúmeras peculiaridades, sob pena de desvirtuar a finalidade da norma, que é possibilitar ao servidor ausentar-se do trabalho, por motivos relevantes.
Cumpre destacar que, ante a diversidade de situações, os prazos administrativos não podem ser orientados pelas regras do direito processual civil, tampouco do direito penal.
Para melhor compreensão, suponhamos que um servidor sofra a perda de um dos familiares descrito no artigo 148, inciso I, alínea “b”, da Lei n. 3.310/2006, por volta das 14h30min, de um dia útil de trabalho, não se afigura possível, em razão da notícia, que o servidor continue as suas atividades, pois não haveria condições emocionais para dar continuidade ao trabalho.
Nessa hipótese, resulta evidente que o início da contagem dos dois dias para licença por falecimento, deve incluir o próprio dia do começo, liberando o servidor na mesma data.
Em contrapartida, se o falecimento ocorrer após às 18h, o cômputo do prazo deve excluir o próprio dia do começo, com a finalidade do servidor ter tempo hábil para tomar as providências necessárias nessa situação.
Insta salientar, que na contagem dos prazos penais (ex: prescrição, decadência, perempção, duração das penas, sursis, livramento condicional, apresentação de representação ou queixa etc.) inclui-se no cálculo o próprio dia do começo, sendo computado como um dia inteiro, independentemente da hora que se deu o fato que originou a contagem.
Ao contrário dos prazos processuais, os prazos penais não são se interrompem nem se suspendem por férias, domingos ou feriados, sendo irrelevante que o dia do início ou final do prazo seja domingo ou feriado nacional ou que o ano seja ou não bissexto.
A Lei Estadual n. 3.310/2006 não é expressa em relação à contagem dos prazos administrativos, motivo pelo qual deve o magistrado nortear-se pelo bom senso e a razoabilidade, para que o objetivo da norma seja atendido, ou seja, o servidor possa, sem qualquer prejuízo, interromper o trabalho, em virtude de uma situação adversa.
Ao citar os ensinamentos de Diogo Figueiredo Moreira Neto, Maria Sylvia Zanella di Pietro assevera:
“a razoabilidade, agindo como um limite à discrição na avaliação dos motivos, exige que sejam eles adequáveis, compatíveis e proporcionais, de modo a que o ato atenda a sua finalidade específica; agindo também com um limite à discrição na escolha do objeto, exige que ele se conforme fielmente à finalidade e contribua eficientemente para que ela seja atingida”1
O prazo prescrito na lei já é exíguo para situação extremamente grave, de maneira que não se justifica adotar uma regra geral ao prazos administrativos relativos à licença ou concessão, pois desvirtuaria a finalidade da norma.
A Consolidação das Leis do Trabalho, ao tratar das ausências legais, determina que os dias em que o empregado poderá faltar não serão úteis, mas consecutivos, do que se conclui que são os dois dias imediatamente posteriores ao dia do falecimento.
Nesse sentido a Lei Federal n. 9.784/99, regulando o processo administrativo no âmbito da Administração Pública Federal, estabelece a exclusão da contagem o dia do começo e inclusão do vencimento.
Prescreve o artigo 66 da Lei n. 9.784/99:
“Art. 66. Os prazos começam a correr a partir da data da cientificação oficial, excluindo-se da contagem o dia do começo e incluindo-se o do vencimento”.
Assim, na hipótese dos autos, tendo ocorrido o falecimento do avô do servidor em 26.04.2008 (domingo) às 14h20min, na cidade de Passo Fundo – RS, o mais razoável é que a contagem do prazo para a concessão da licença inicia-se no dia 28.04.2008, já que é necessário o deslocamento do servidor para a referida cidade.
De outra via, indiscutível a competência e autonomia do Juiz Diretor do Foro para decidir o pedido de licença, bem como o início da contagem do prazo.
Contudo, não havendo disposição expressa no Estatuto dos Servidores do Judiciário quanto a contagem dos prazos administrativos, a secretaria de gestão de pessoal tem adotado como parâmetro as regras de contagem de prazo nas hipóteses de aposentadoria, incorporação, consoante se infere das manifestações da Diretora da Secretaria de Gestão de Pessoal e do Chefe de Departamento à f. 12-14, vale dizer, o entendimento de que se deve incluir o dia do evento, independentemente da data que ocorra.
Dessarte, em virtude desse entendimento adotado é que foi dada a informação ao servidor de que se incluiria o dia do começo para a contagem do prazo de licença, no entanto, não tem o condão de fiscalizar ou descumprir os atos do magistrado, mas tão somente de orientar o servidor.
A par dessas considerações, é certo que se o objetivo da licença é assegurar a ausência do servidor ao trabalho, sem qualquer prejuízo, em obediência ao princípio da razoabilidade, entendo que a contagem dos prazos administrativos deve atender a regra do bom senso e da razoabilidade do magistrado, no exercício da direção do foro.
Por essas razões, o parecer que submeto a Vossa Excelência é no sentido de que a contagem dos prazos administrativos seja, ante as diversidades, analisado segundo as circunstâncias de cada caso concreto, pautando-se o magistrado pelo bom senso e razoabilidade.
 
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1 - Direito Administrativo, Editora Atlas, p. 72
 
Campo Grande (MS), 8 agosto de 2008.
Ricardo Gomes Façanha
Juiz de Direito Auxiliar da CGJ/MS
 
AUTOS N. 2008.960142-7
 
 
Consulta
Consulente: Juiz Diretor do Foro de Dourados
Vistos.
Homologo o parecer, pelos seus próprios fundamentos.
Por se tratar de matéria de interesse geral, encaminhe-se cópia aos Juízes Diretores dos Fóruns e à Secretaria de Gestão de Pessoal.
 
Campo Grande (MS), 8 agosto de 2008.
 
Des. Divoncir Schreiner Maran
Corregedor-Geral de Justiça
 
 
DJMS-08(1799):2-3, 27.8.2008