CONSULTA N. 2008.960028-1
CONSULENTE: ANOREG – ASSOCIAÇÃO DOS NOTÁRIOS E REGISTRADORES DE MS
CONSULTA N. 2008.960250-8
CONSULENTE: JOANNA D’ARC DE PAULA ALMEIDA – TABELIÃ DE PROTESTO
 
PARECER N. 061/2008
 
Procedimento n. 2008.960028-1
A Associação dos Notários e Registradores do Estado de Mato Grosso do Sul – ANOREG solicitou esclarecimentos quanto ao procedimento a ser adotado nos casos de cancelamento de protesto em que não haja a apresentação do título original ou documento de dívida, mas de carta de anuência, cujo credor constitua pessoa jurídica.
Fundamentou que a apresentação de cópia dos documentos constitutivos da pessoa jurídica credora propiciam a verificação da regularidade da assinatura aposta no documento de quitação, ou seja, constatar se o outorgante possuía, ao tempo, capacidade para tal mister, dando assim maior segurança para o ato.
Ainda, ponderou que as cópias poderiam ser exigidas apenas uma única vez, cabendo aos tabelionatos de protesto arquivá-las e, ao credor, atualizar seus dados nos casos de alteração.
Por fim, alternativamente, sugeriu que o reconhecimento da firma deveria ser feito em nome da pessoa jurídica que figura como credora e não de pessoa física que o representa.
Da consulta resultou o parecer n. 001/2008, no qual ficou estabelecido ser desnecessária a reiterada apresentação de cópia de ato constitutivo da pessoa jurídica credora juntamente com a carta de anuência, devendo ser apresentada uma única vez e arquivado no tabelionato de protestos, cabendo à pessoa jurídica atualizar seus dados em caso de alteração, sob pena de não realização do ato, sendo acrescido no artigo 531 do Provimento n. 01 de 27 de janeiro de 2003 (Código de Normas da Corregedoria-Geral de Justiça) o §3º, com a seguinte redação:
“Art. 531. O cancelamento do protesto será solicitado diretamente ao tabelionato por qualquer interessado, mediante a apresentação do documento protestado. Ficará a cópia arquivada em pasta própria.
§ 1º Na impossibilidade de apresentação do original do título ou do documento de dívida protestado, será exigida a declaração de anuência, com identificação e firma reconhecida, daquele que figurou no registro de protesto como credor, originário, ou por endosso translativo.
§ 2º Se o endossatário tiver figurado como simples mandatário na apresentação do título para protesto, basta apresentar somente a declaração de anuência do mandante.
§ 3º Havendo o arquivamento de cópia do contrato social da empresa credora no Tabelionato, necessária apenas a apresentação da alteração do contrato social, se houver, sob pena de não se proceder ao ato”. (grifei)
Procedimento n. 2008.960250-8
Cuida-se de consulta formulada por Joanna D’Arc de Paula Almeida, Tabeliã do 1º Ofício de Protestos de Títulos Cambiais da comarca de Campo Grande (f. 26), na qual solicita esclarecimentos quanto aos casos de carta de anuência quando há endosso translativo, afirmando que nessas ocorrências, comumente está exigindo tanto a carta de anuência do credor indicado no título quanto do apresentante, por entender que a expressão “ou” constante no §1º do art. 531 das NCGJ dá a idéia de alternância.
Considerando a exigência de atos constitutivos de pessoas jurídicas estabelecidas pelo art. 531, §3º das NCGJ, indaga quanto à necessidade de ser requisitada cópia de ata de assembléia se constituir o apresentante/endossante instituição financeira.
Assim, postou as seguintes indagações:Exigir-se-á declaração de anuência tanto do credor quanto do apresentante-endossante? Exigir-se-á declaração de anuência somente do credor?
Exigir-se-á declaração de anuência somente do apresentante-endossante, que em muitos casos são instituições financeiras? Exigir-se-á ata de assembléia de constituição se o apresentante/endossante constituir instituição financeira?
O departamento correicional desta Corregedoria emitiu manifestação (f. 28-30), argumentando que nas situações formuladas na carta de anuência exige-se as seguintes condições:
a) declaração de anuência do credor originário ou endossatário, com firma reconhecida deste e perfeitamente identificado;
b) quando o credor endossatário for instituição financeira, a declaração poderá ser firmada apenas pelo gerente da agência bancária que apresentou o título, obedecendo a identificação perfeita do credor endossatário e endossante, exigindo-se papel timbrado e firma reconhecida daquele que subscrever o documento, sendo desnecessária apresentação de cópia de contrato social; e
c) no caso da letra “b”, quando apresentada a declaração do credor endossante, exigir do interessado a anuência do credor endossatário, colhendo-se, no próprio documento, a assinatura do gerente da agência bancária que apresentou o título e o correspondente reconhecimento de sua firma.
Salientou que não é exigido apresentação de Ata de Assembléia no que pertine às instituições financeiras diante da dificuldade de seu arquivamento no tabelionato de protestos, bem como geraria custos desnecessários aos usuários.
Passa-se ao parecer.
De início, após uma nova e detida leitura de todo exposto neste procedimento, denota-se do parecer exarado à f. 10-14 do procedimento n. 2008.960028-1 em apenso, que não foi imposto o devido englobamento quanto às dúvidas postas ao crivo deste Órgão.
A legislação vigente por vezes leva a interpretações dúbias ou equivocadas, cabendo a esta Corregedoria, órgão de orientação, fiscalização e disciplina administrativa, dirimir tais ocorrências e uniformizar procedimentos, de forma a atender os princípios basilares da economia, celeridade, eficiência e utilidade.
No parecer ficou consignado que nos casos de cancelamento de protesto sem a viabilidade da apresentação do título ou documento de dívida original, cujo credor constitua pessoa jurídica, estas devem emitir carta de anuência, sendo que a cópia de seu contrato social deva ser apresentada apenas uma única vez no tabelionato de protestos, no qual ficará arquivada em pasta própria, devendo apenas ser atualizado seus dados em caso de eventual alteração.
Entretanto, para o deslinde da controvérsia, se faz necessário um estudo amiúde quanto a utilidade do reconhecimento da firma aposta no instrumento de quitação e suas conseqüências.
Como de conhecimento, as pessoas jurídicas são entes personificados, dotados de direitos, deveres, obrigações e ações, independente das pessoas físicas ou jurídicas que a compõem. Assim, equipara-se os atos da pessoa jurídica ao da pessoa física.
O fato de não poder agir por si, por não possuir capacidade fisiopsíquica como as pessoas naturais, exige que outros lhes faça as vezes, praticando assim a pessoa jurídica atos por intermédio de preposto (pessoa física) regularmente constituído para tal mister ou pelo sócio administrador. Daí se conclui que nas relações negociais, indica-se que a pessoa física está tão e simplesmente na condição de representação da pessoa jurídica, sendo esta responsável pelos efeitos gerados.
Nesta esteira, faz crer que atos praticados em nome próprio (pessoa física), ainda que sejam gestores da pessoa jurídica, não tem o condão de gerar obrigação para esta.
Assim, quando o §1º do art. 26 da Lei 9.492/1997 e art. 531 das NCGJ exige que o credor originário ou por endosso translativo emita carta de anuência na impossibilidade de apresentação do título ou documento de dívida original, não fez o legislador distinção quanto a condição de ser pessoa física ou jurídica, sendo necessário apenas o reconhecimento da firma do outorgante, senão vejamos:
“Art. 26. O cancelamento do registro do protesto será solicitado diretamente no Tabelionato de Protesto de Títulos, por qualquer interessado, mediante apresentação do documento protestado, cuja cópia ficará arquivada.
§ 1º Na impossibilidade de apresentação do original do título ou documento de dívida protestado, será exigida a declaração de anuência, com identificação e firma reconhecida, daquele que figurou no registro de protesto como credor, originário ou por endosso translativo. (...)”
“Art. 531. O cancelamento do protesto será solicitado diretamente ao tabelionato por qualquer interessado, mediante a apresentação do documento protestado. Ficará a cópia arquivada em pasta própria.
§ 1º Na impossibilidade de apresentação do original do título ou do documento de dívida protestado, será exigida a declaração de anuência, com identificação e firma reconhecida, daquele que figurou no registro de protesto como credor, originário, ou por endosso translativo. (...)”.
É corrente entre os serviços notariais que o conceito de reconhecimento de firma consiste tão somente na aferição da rubrica aposta pela “pessoa natural” em determinado documento, sem que haja análise jurídica quanto ao seu conteúdo. Tal entendimento, porém, se traduz incorreto, uma vez que além da verificação estrita de semelhança, autenticidade ou regularidade da abonação da assinatura, deve o notário observar se o responsável pela assinatura tem relação com o emitente da declaração ou de alguma das partes participantes do ato, para a constituição de objeto lícito, conforme delineado pelo art. 594 das NCGJ, a seguir transcrita:
“Art. 594. É vedado o reconhecimento de assinaturas reprografadas, bem como de firmas em documentos sem data, incompletos, que não contenham forma legal e objeto lícito ou nos redigidos em outros idiomas, salvo se acompanhados de tradução oficial”. (grifei).
A partir dessa premissa, denota-se ser inerente às cautelas do notário ao reconhecer firma de pessoa jurídica a verificação, quer seja por contrato social ou outro documento equivalente, da assinatura aposta no documento, a qual deve corresponder àquele que possui poderes de representação devidamente constituído e o autoriza a atuar como instrumento de formalização dos atos emanados pela pessoa jurídica. Outra hipótese seria a abertura de cartão-padrão para esta, indicando seus representantes aptos para prática de atos.
Desta forma, se a motivação utilizada para a exigência de contrato social praticada pelos tabelionatos de protesto está na segurança do ato praticado, esta não mais perdura, visto que a verificação é prevenção incumbida ao serviço notarial responsável pelo reconhecimento da firma.
Via de conseqüência, torna-se inócua a apresentação no tabelionato de protestos, de cópia do instrumento constitutivo da pessoa jurídica emitente da carta de anuência, cuja prática constitui sobejo de zelo, sem falar no arquivamento desnecessário de papéis, documentos e mais, em se tratando de grandes conglomerados financeiros, dificilmente as declarações de anuência são firmadas pelos respectivos representantes legais, sendo mais comum sua subscrição por prepostos, o que também milita contra a objetividade da exigência.
De outro vértice, mesmo não aceita a tese exposta, deve ser considerado que tanto o art. 26 da Lei 9.492/97 e art. 531 das NCGJ, já descritos, dão conta que na carta de anuência é necessária tão somente a “identificação” do credor anuente, inexistindo qualquer referência expressa para que esta venha acompanhada de cópia dos atos constitutivos da pessoa jurídica.
Considere-se ainda a notória dificuldade com as quais passariam os devedores para obter das pessoas jurídicas cópias de seus atos constitutivos, quiçá dos grandes conglomerados financeiros.
Assim, a análise feita pelo Tabelião de protestos nas cartas de anuência deve ter caráter eminentemente prático, visto que a ausência de norma específica que autoriza a conduta, aliado às razões de ordem prática dão conta que os aspectos de admissibilidade do instrumento de quitação devem cingir quanto à devida identificação do declarante, com firma reconhecida.
Quanto às indagações lançadas pela Tabeliã Joanna D’Arc de Paula Almeida, do 1º Tabelionato de Protestos de Títulos e Documentos da Comarca de Campo Grande, a maior parte trata de mera interpretação conceitual, tendo como cerne o endosso.
A modalidade translativa constitui transmissão de direitos do título ou documento de dívida a outra pessoa, podendo ser em preto (na qual é indicado nominalmente o beneficiário) ou em branco (ao portador). Nesse caso, conforme enunciado no artigo 26, §1º da Lei 9.492/1997 e art. 531, §1º das NCGJ, já mencionados, quis o legislador elucidar que em havendo endosso, a carta de anuência deve ser emitida por aquele que figurou no registro de protesto como credor por endosso translativo, ou seja, endossatário. Do contrário, não ocorrendo transmissão do título ou documento, a quitação deve ser dada pelo credor originário.
Já o endosso mandato, também chamado de endosso por procuração, corresponde ao instrumento conferido pelo endossante ao endossatário para que este atue em nome daquele nas questões atinentes ao título endossado.
Por isso, não há a transferência da propriedade do título; há, apenas, a constituição, pelo endossante, de procurador para atuar em seu nome: o endossatário-mandatário age em nome do endossante-mandante, podendo praticar todos os atos que o próprio proprietário do título poderia. Daí, conclui-se que o Tabelião deve exigir carta de anuência do credor originário ou do endossatário-mandatário e não de ambos.
Nessa vertente, o contido no art. 26, §2º da Lei 9.492/1997 e art. 531, § 2º das NCGJ é claro ao dispor que “será suficiente” a declaração de anuência do credor endossante, porém sem impedimento que o endossatário-mandatário a emita.
Excepcionalmente, quando o endossatário-mandatário for instituição financeira, a declaração de quitação deve ser confeccionada em papel timbrado da instituição, com reconhecimento da firma do gerente da unidade, dispensada a apresentação de ata de assembléia de sua constituição, como já pontuado.
Dessa forma, o parecer que submeto a Vossa Excelência, sub censura, é pela revogação do § 3º do art. 531 do Código de Normas da Corregedoria, acrescentado pelo Provimento n. 002/2008, por sua desnecessidade e inoperabilidade, bem como edição de ato normativo atinente às formas de reconhecimento de firma nos serviços notariais, por abertura de ficha-padrão de pessoas jurídicas ou por conferência de seus documentos de constituição, alterando-se, por conseguinte, os arts. 586 e 593 das NCGJ.
 
Campo Grande, 24 de novembro de 2008.
 
a) Ricardo Gomes Façanha
Juiz de Direito Auxiliar da CGJ/MS.
 
 
DECISÃO DO EXCELENTÍSSIMO SENHOR CORREGEDOR-GERAL DE JUSTIÇA
 
CONSULTA N. 2008.960028-1
Consulente: ANOREG – Associação dos Notários e Registradores de MS
Consulta n. 2008.960250-8
Consulente: Joanna D’Arc de Paula Almeida – Tabeliã de Protesto
Vistos.
Homologo o parecer emitido pelo Juiz Auxiliar Ricardo Gomes Façanha, em todos os seus termos.
Expeça-se ato normativo, nos moldes da minuta de provimento.
Em relação as demais orientações, expeça-se ofício-circular para que delas tomem conhecimento todas as serventias extrajudiciais do Estado, e bem assim sua entidade representativa, Associação dos Notários e Registradores do Estado de Mato Grosso do Sul – ANOREG/MS.
Por fim, cumpridas as formalidades de estilo, arquivem-se.
 
Campo Grande, 24 de novembro de 2008.
 
Des. Divoncir Schreiner Maran
Corregedor-Geral de Justiça
 
 
DJMS-08(1866):2-3, 2.12.2008