AUTOS N. 2008.960243-6
NATUREZA: ADMINISTRATIVO
TIPO DE PROCESSO: CONSULTA
 
 
PARECER N. 63, DE 28 DE NOVEMBRO DE 2008.
 
 
Preclaro Desembargador-Corregedor:
O Magistrado Eduardo Magrinelli Júnior formulou consulta perante esta Corregedoria-Geral de Justiça, velada nos seguintes termos:
“Consulto Vossa Excelência sobre a possibilidade/legalidade de se requisitar às Operadoras de Telefonia (celular ou fixa) a concessão de senhas para que Autoridades Policiais tenham acesso a dados cadastrais, históricos de chamadas e localização de ERBs de forma genérica e sem vinculação a uma investigação específica.
O esclarecimento, por parte da Corregedoria é necessário face a pedidos que são feitos pelas autoridades policiais, não só nesta Comarca como de fato em todo o Estado sendo, salvo melhor juízo, de interesse que se padronize esse procedimento”.
 
Passa-se ao parecer.
 
Inicialmente, convém consignar que a dúvida teve origem no pedido de “renovação de senhas” feito pelo Delegado de Polícia da Comarca de Naviraí – MS, Dr. Venâncio Caputti Neto, por meio do qual objetivava a liberação do “acesso aos dados cadastrais, histórico de chamadas e localização de ERBs” junto às operadoras de telefonia VIVO, CLARO, TIM e BRASIL TELECOM, aduzindo, pois, que estas providências “não implicam em áudio”.
Com efeito, impõe-se esclarecer, desde logo, que a Corregedoria-Geral de Justiça é “órgão de orientação, fiscalização e disciplina administrativa” (CODJ, art. 51), de maneira que, a ela compete apenas emitir “instruções ou regras gerais ou para atender aos princípios da economia, eficiência, utilidade e celeridade processual” (CODJ, art. 51, § 2º).
Tem-se, pois, in casu, salvo melhor juízo, consulta acerca de matéria que refoge e extrapola o âmbito de atuação desta Corregedoria-Geral de Justiça, tendo em vista que a dúvida suscitada diz respeito à questão jurisdicional e não propriamente a matéria administrativa, de modo a ensejar orientação de caráter geral e abstrato.
Isso porque a questão submetida à apreciação de Vossa Excelência diz respeito a necessidade ou não de decisão judicial para obtenção de dados relacionados à comunicação telefônica, o que implicaria interpretação do artigo 5º, inciso XII, da CR/88[1] e da Lei n. 9.296, de 24 de julho de 1996, de maneira que, a depender do entendimento adotado, apenas por meio de decisão judicial seria possível a violação do sigilo das informações que se quer acessar.
De qualquer forma, entendo conveniente traçar um panorama acerca do que se entende sigiloso – a exigir, portanto, decisão judicial para sua violação (princípio da reserva de jurisdição) – por força do artigo 5º, inciso XII, da CR/88 e da Lei n. 9.296, de 24 de julho de 1996.
I – Da relação de chamadas.
Inicialmente, no que concerne aos registros das ligações, é importante salientar que o Superior Tribunal de Justiça já reconheceu que “a proteção do sigilo de 'dados' ou registros de chamadas telefônicas não tem caráter absoluto”[2], ou seja, assim como no caso da interceptação telefônica propriamente dita, há possibilidade de violação do sigilo em casos específicos, mas, considerando que estas informação seriam afetas à intimidade do usuário, seria exigida prévia ordem judicial para tal violação.
Defende-se, portanto, que esses dados “mantidos pelas cessionárias de telefonia são acessíveis apenas por ordem judicial” e “desde que sejam observados os princípios do devido processo legal, da proporcionalidade e do juiz natural no procedimento de produção desse tipo de prova e, ainda, desde que haja 'justa causa' para tal medida invasora”[3].
Luís Flávio Gomes, por sua vez, também entende que “os dados telefônicos (registros pertinentes a chamadas pretéritas) não contam com sigilo absoluto”, aduzindo, todavia, que apenas “por ordem judicial pode ser quebrado esse sigilo”[4].
O Desembargador Federal do Tribunal Regional Federal da 1ª Região, Dr. Cândido Ribeiro, ao proferir seu voto no Habeas Corpus 1999.01.00.067982-7/MG, também asseverou, ao se referir ao “registro das ligações”, que “tanto a doutrina quanto a construção pretoriana [...] concluíram ser imprescindível a via da justiça para obtenção de tais dados”.
O entendimento citado foi acompanhado na ocasião pelos demais Desembargadores da Terceira Turma do TRF da 4.ª Região, que entenderam ser necessária a intervenção judicial também para a requisição do registro das ligações, não podendo, por exemplo, serem obtidas tais informações por meio de requisição do Ministério Público, como se pretendia na espécie.
O acórdão em questão restou, pois, assim ementado:
PROCESSUAL PENAL.  HABEAS CORPUS. INVESTIGAÇÃO. MINISTÉRIO PÚBLICO. QUEBRA DO SIGILO DE COMUNICAÇÃO. INTERVENÇÃO JUDICIAL. NECESSIDADE.
I - O Ministério Público tem atribuição para requisitar documentos e realizar diligências investigatórias, a teor do que dispõe a Lei Complementar n. 75/93.
II - Essa atribuição, todavia, não pode alcançar as garantias constitucionais inscritas no art. 5º, XII, da Constituição Federal/88, relativas a inviolabilidade do Sigilo de Comunicação, salvo se amparada em imprescindível autorização judicial.
III - Habeas corpus concedido. (TRF – 1ª Região - HC 1999.01.00.067982-7/MG, Rel. Juiz Candido Ribeiro, Terceira Turma, DJ p.1408 de 31/03/2000)
Por sua vez, o Supremo Tribunal Federal, por meio do Ministro Celso de Mello, ao apreciar pedido de “quebra do sigilo dos registros telefônicos” na Carta Rogatória n. 7.323/SI, asseverou que:
"[...] É certo que a garantia constitucional instituída no art. 5º, XII, da Carta Política objetiva preservar a inviolabilidade do sigilo 'das comunicações telefônicas', não havendo, no preceito normativo em questão, qualquer referência à possibilidade jurídica de 'disclosure' dos registros telefônicos. O magistério da doutrina - embora fazendo distinção entre comunicações telefônicas e dados/registros de conversações telefônicas - tem reconhecido que o sigilo pertinente a ambos não se reveste de caráter absoluto, revelando-se, por isso mesmo, passível de quebra, por ordem judicial, nas hipóteses e na forma previstas em lei, desde que para fins de ordem penal ou de obtenção de prova em investigação criminal ou em instrução processual penal. [...].” (STF - CR 7323 - Relator(a): Min. CELSO DE MELLO, julgado em 26/05/1999, publicado em DJ DATA-11-06-99 P-00040)
A Ministra Ellen Gracie, por sua vez, também abordou essa questão em breve passagem, ao deferir pedido liminar formulado na Reclamação n. 2.088/PR, oportunidade em que assim fez consignar:
“[...] De fato, o artigo 5º, XII, da Constituição Federal restringe a quebra de comunicações telefônicas a ser feita exclusivamente por ordem judicial às hipóteses e forma estabelecidas em lei para fins de investigação criminal ou instrução processual penal. [...] . No caso, conforme se depreende da transcrição da decisão o MM Juiz não determinou a quebra do sigilo do "teor da ligações mas apenas quais foram efetuadas pelos supostos envolvidos e na época dos alegados fatos, ou seja, de maio a junho e julho de 1999. É preciso, pois estabelecer se, no caso, a decisão estaria, ou não, efetivamente quebrando o sigilo telefônico do reclamante. Vislumbro o fumus boni iuris na afirmação positiva. Primeiro, pelo próprio teor da ordem que se refere, textualmente, à quebra de sigilo telefônico e segundo porque, por se tratar de diretos individuais, quando o legislador constitucional resguardou tais direitos, o fez em sua inteireza, não sendo admissível interpretação que venha limitá-los. Pelas razões expostas, concedo a medida liminar, no que diz respeito à quebra do sigilo telefônico do reclamante, para sustar o despacho do MM Juiz da 3ª Vara Cível de Londrina- PR, com a vedação da utilização dos dados obtidos, até o julgamento do mérito da presente reclamação. [...]”. (STF - Rcl 2088 - Relator(a): Min. ELLEN GRACIE, julgado em 21/05/2002, publicado em DJ 27/05/2002 PP-00043)
Ocorre, todavia, que esse entendimento não foi abordado à exaustão pelo Supremo Tribunal Federal, sendo que as duas decisões citadas são, a princípio, as únicas proferidas pelo STF sobre o tema em questão, de maneira que não se pode afirmar que já existe posicionamento firmado na Suprema Corte sobre a necessidade de decisão judicial para se ter acesso ao registro das ligações.
Tanto é verdade, que a Reclamação n. 2.088/PR, supracitada, aguarda julgamento definitivo em conjunto com a Reclamação n. 2.623/PR, consoante se pode observar do andamento destes processos junto ao site do STF (ww.stf.jus.br).
Assim, considerando esse panorama, é indubitável concluir que sobre esse ponto descabe orientação administrativa, dado seu caráter eminentemente jurisdicional, que sequer foi objeto de posicionamento pacífico no âmbito dos Tribunais Superiores.
II – Dos dados cadastrais.
Por outro lado, no tocante aos dados cadastrais do usuário, há entendimento no sentido de que estes, a despeito de sigilosos, podem ser requisitados no curso de investigação criminal, sem necessidade de ordem judicial.
Nesse sentido, o Tribunal Regional Federal da 4ª Região já decidiu, ao julgar o Agravo de Instrumento n. 2006.04.00.031773-3/RS, que “a mera identificação e obtenção do endereço dos usuários de telefones fixos e móveis não configura quebra de sigilo das comunicações telefônicas (interceptação), ou de 'comunicação de dados'.”
Ressalvou, todavia, o Tribunal, com base no artigo 8º, incisos II e IV, da Lei Complementar n. 73/95 (LOMP),  que “possui apenas o Ministério Público Federal autorização legislativa para requerer o fornecimento desses dados, independentemente de prévia autorização judicial, desde que para instruir procedimento investigatório”.
Na oportunidade, o então Relator, Desembargador Federal Edgard Lippmann Júnior, destacou que “quanto aos demais entes públicos - Ministério Público Estadual, Polícia Civil, Autoridade Judiciária Militar - [...] por falta de amparo legal não podem ser abrangidos por tal privilégio, até porque, acaso efetivamente possuam interesse em tal medida, poderão postulá-lo perante a esfera judiciária competente”.
A referida decisão foi impugnada por meio do Recurso Especial n. 1.009.870/RS, todavia o colendo Superior Tribunal de Justiça ainda não apreciou essa irresignação. Há apenas decisão negando pedido de efeito suspensivo formulado pelo recorrente na Medida Cautelar n. 13.721/RS, de maneira que, prima facie, não há, ainda, posicionamento deste órgão quanto a essa questão.
De qualquer forma, vale colacionar parte da decisão proferida pelo então Ministro Raphael de Barros Monteiro Filho na referida Medida Cautelar n. 13.721/RS, verbis:
Nos termos da jurisprudência desta Casa, somente em casos excepcionalíssimos, restritamente considerados, é possível comunicar-se efeito suspensivo a recurso que normalmente não o possui, presentes, concomitantemente, os requisitos do fumus boni iuris e do periculum in mora.
Não é esse, no entanto, o caso dos autos.
Conforme já decidido inúmeras vezes por esta Corte, “o fumus boni iuris consiste na plausibilidade de sucesso do recurso especial interposto [...]” (AgRg na MC 5630/AM). In casu, as circunstâncias da causa apontam em sentido contrário, uma vez que o Tribunal de origem, ao decidir a questão, o fez exclusivamente com fundamento em norma constitucional.
Portanto, o conhecimento do recurso exigiria a apreciação de matéria estranha à competência atribuída ao STJ pela Constituição Federal (art. 105, inciso III).
Também assim no tocante ao periculum in mora.
Com efeito, o simples fornecimento de nomes e endereços de usuários ao Ministério Público Federal, exclusivamente para fins de investigação, não representa perigo de dano irreparável ou de difícil reparação. Demais disso, conforme expressamente consignado no acórdão recorrido, tais informações, uma vez fornecidas, estarão restritas ao procedimento investigatório a que se destinam, sob pena, inclusive, de responsabilização por eventual utilização indevida.
Nesse compasso, também seguiu esse entendimento o Desembargador Federal do Tribunal Regional Federal da 4.ª Região, Dr. Néfi Cordeiro, o qual, ao relatar a Apelação em Mandado de Segurança n. 2004.71.00.022811-2/RS[5], assentou o seguinte:
“Destarte, cabe traçar aqui, por necessário, uma distinção entre a interceptação (escuta) das comunicações telefônicas, inteiramente submetida ao princípio constitucional da reserva de jurisdição (CF, art. 5º, XII) de um lado, e o fornecimento dos dados (registros) telefônicos, de outro.
A interceptação das comunicações telefônicas, além de submetida ao postulado da reserva constitucional de jurisdição, possui finalidade específica, pois a utilização desse meio probatório apenas se justifica, havendo ordem judicial, para fins de investigação criminal ou de instrução processual penal (CF, art. 5º, XII, in fine). Diversa é, porém, a situação concernente ao acesso aos registros telefônicos. No meu entendimento, sobre tais dados inexiste previsão constitucional ou legal de sigilo, pois não fazem parte da intimidade da pessoa, assim como sobre eles não paira o princípio da reserva jurisdicional”.
Eis a ementa do citado decisum:
MANDADO DE SEGURANÇA. GARANTIA CONSTITUCIONAL. SIGILO TELEFÔNICO. PEDIDO DE INFORMAÇÃO. CADASTRO DE USUÁRIO DE OPERADORA DE TELEFONIA MÓVEL. DELEGACIA DE POLÍCIA FEDERAL. INQUÉRITO. DESNECESSIDADE DE AUTORIZAÇÃO JUDICIAL. DIREITO DE INTIMIDADE. NÃO-VIOLAÇÃO. DIREITO LÍQUIDO E CERTO. INEXISTÊNCIA.
1. Havendo inquérito policial regularmente instaurado e existindo necessidade de acesso a dados cadastrais de cliente de operadora de telefonia móvel, sem qualquer indagação quanto ao teor das conversas, tal pedido prescinde de autorização judicial.
2. Há uma necessária distinção entre a interceptação (escuta) das comunicações telefônicas, inteiramente submetida ao princípio constitucional da reserva de jurisdição (CF, art. 5º, XII) de um lado, e o fornecimento dos dados (registros) telefônicos, de outro.
3. O art. 7º da Lei n. 9296/96 - regulamentadora do inciso XII, parte final, do art. 5° da Constituição Federal - determina poder, a autoridade policial, para os procedimentos de interceptação de que trata, requisitar serviços e técnicos especializados às concessionárias de serviço público. Se o ordenamento jurídico confere tal prerrogativa à autoridade policial, com muito mais razão, confere-a, também, em casos tais, onde pretenda-se, tão-somente informações acerca de dados cadastrais.
4. Não havendo violação ao direito de segredo das comunicações, inexiste direito líquido e certo a ser protegido, bem como não há qualquer ilegalidade ou abuso de poder por parte da autoridade apontada como coatora.
Vale registrar, outrossim, que o Tribunal de Justiça de Minas Gerais, ao analisar questão análoga no julgamento a Apelação n. 1.0000.04.414635-5/000, fez consignar que “o fornecimento de dados cadastrais em poder do provedor de acesso à Internet, que permitam a identificação de autor de crimes digitais, não fere o direito à privacidade e o sigilo das comunicações, uma vez que dizem respeito à qualificação de pessoas, e não ao teor da mensagem enviada”.
Na ocasião, o Relator do recurso, Desembargador Paulo Cézar Dias, chamou a atenção para o fato de que “que o sigilo de dados ao qual se refere o texto Constitucional, art. 5º, inciso XII, deve ser entendido como dados informáticos propriamente ditos, que é distinto dos dados cadastrais, ou qualificação das pessoas titulares de determinadas contas de e-mails”.
Todavia, neste caso, é importante destacar que o acórdão foi além ao afirmar que “em tais casos é possível que a autoridade policial determine diretamente ao provedor de acesso à Internet o fornecimento de informações que permitam a identificação dos emitentes, posto que inserida nas atribuições do Delegado de Polícia, por força do art. 6º do CPP”.
A decisão supra restou, pois, assim ementada:
EMENTA: MANDADO DE SEGURANÇA - CRIMES CONTRA A HONRA PRATICADOS PELA INTERNET - REQUISIÇÃO DE ORDEM JUDICIAL PARA QUE O PROVEDOR FORNEÇA A IDENTIFICAÇÃO DO TITULAR DE DETERMINADAS CONTAS DE E-MAILS - CONCESSÃO DA SEGURANÇA.
Como corolário do princípio da dignidade da pessoa humana, a Constituição Federal atual assegurou o direito à intimidade, proclamando no art. 5º, inciso XII a inviolabilidade do sigilo das comunicações telegráfica de dados e telefônica.
Apesar da magnitude do direito em destaque, de cunho Constitucional, é sabido que as liberdades públicas estabelecidas não podem ser consideradas como tendo valor absoluto cedendo espaço em determinadas circunstâncias, sobretudo quando utilizadas para acobertar a prática da atividade ilícita.
O fornecimento de dados cadastrais em poder do provedor de acesso à Internet, que permitam a identificação de autor de crimes digitais, não fere o direito à privacidade e o sigilo das comunicações, uma vez que dizem respeito à qualificação de pessoas, e não ao teor da mensagem enviada.” (TJMG - Ac. no MS n. 1.0000.04.414635-5/000, 3ª Câmara Criminal - Rel. Des. Paulo Cézar Dias, j. em 01.03.2005, in www.tjmg.gov.br, disponível em 27.11.2006).
Note-se que, segundo este decisum, não só o Ministério Público Federal, mas também qualquer autoridade policial (Polícia Federal ou Civil) teria direito de requisitar tais informações, sem ordem judicial.
É evidente, portanto, a existência de pontos divergentes na análise e interpretação dessa questão, que impedem, como afirmado, até mesmo pela natureza da questão, a interferência deste órgão administrativo.
De qualquer maneira, é importante registrar, por derradeiro, que essa liberação de senhas para a polícia judiciária foi objeto de Reclamação Disciplinar (n. 200810000021306) por parte do Deputado Federal Raul Jungamann perante o Conselho Nacional de Justiça contra o Juiz Titular da 6ª Vara Federal Criminal de São Paulo, Dr. Fausto Martin de Sanctis, o qual teria adotado esse procedimento durante a investigação dos fatos que deram ensejo à chamada “Operação Satiagraha”.
A representação foi inicialmente arquivada pelo Corregedor Nacional da Justiça[6], Ministro Gilson Dipp, todavia o reclamante interpôs recurso administrativo pretendendo a reforma desta decisão, cujo julgamento ainda não foi realizado.
Destarte, verifica-se que a questão deduzida neste procedimento está sendo, neste momento, objeto de análise pelos órgãos máximos do Poder Judiciário (sejam eles jurisdicionais ou administrativos), do que se denota a imprevisibilidade acerca de um ou outro posicionamento a ser adotado, fator que também não recomenda imposição de regra geral e abstrata por parte desta Corregedoria-Geral de Justiça.
III – Da localização de ERB's (Estações de Rádio Base).
Por derradeiro, convém salientar que o mesmo raciocínio até então empregado deve se aplicar à localização de ERB's (Estações de Rádio Base).
Com efeito, Estações Radio Base ou ERBs são equipamentos que fazem a conexão entre os telefones celulares e a companhia telefônica, ou mais precisamente a Central de Comutação e Controle (CCC).
Estação Rádio Base (ERB) ou “Cell site” é a denominação dada em um sistema de telefonia celular para a Estação Fixa (“torres”) com que os terminais móveis se comunicam.
A ERB está conectada a uma Central de Comutação e Controle (CCC) que tem interconexão com o serviço telefônico fixo comutado (STFC) e a outras CCC’s, permitindo chamadas entre os terminais celulares e deles com os telefones fixos comuns.
Por intermédio desse sistema, é possível saber qual “torre” de celular foi utilizada pelo usuário ao fazer ou receber suas chamadas, de modo que, o fornecimento dessa relação de utilização pode identificar eventual deslocamento do usuário dentre uma ou mais áreas de alcance dessas “torres”, o que, à evidência, também não deixa de ser objeto de discussão sobra eventual ofensa à privacidade do indivíduo.
IV – Conclusão.
Diante desse quadro, portanto, queda-se indubitável concluir que toda essa questão decorre da interpretação do artigo 5º, inciso XII, da CR/88, no sentido de se delimitar a esfera da intimidade do indivíduo, a ponto de se exigir ou não decisão judicial para sua violação.
Essas questões, à evidência, em que pese sua relevância e contemporaneidade – que merecem especial atenção dos Magistrados em geral, assim como o fez de forma louvável o autor da presente consulta – não devem, segundo me parece, ser objeto de normatização e/ou instrução administrativa, sob pena de se tolher a independência do juiz que eventualmente detiver entendimento diverso daquele que pudesse emanar desta Corregedoria-Geral de Justiça.
Mas de qualquer maneira, é de se observar que a doutrina e a jurisprudência vêm, ainda, procurando exigir, na maioria dos casos, prévia e específica decisão judicial para possibilitar o acesso às informações ligadas à telefonia e sistemas de telemática em geral, do que se pode extrair um parâmetro para se decidir eventual questionamento dessa natureza in concreto.
Vale ressaltar, no entanto, que por meio do Anexo II, da Instrução Normativa n. 01/2008, do próprio Conselho Nacional de Justiça, que regulamentou a Resolução n. 59/2008, expedida por este órgão, pode-se concluir que a liberação de senhas para consultar das informações abordadas na espécie pode ocorrer em caso de investigação específica, jamais de forma genérica e sem vinculação a uma dada investigação, até mesmo porque esse acesso “ilimitado” possibilitaria certas ingerências difíceis de serem controladas.
Isso colocaria em risco, portanto, não só o direito à privacidade resguardado pela Constituição da República (art. 5º, inc. XII), como também a própria base do Estado Democrático de Direito, ao qual não só o particular deve submeter-se, mas sim também o próprio Estado, pois, como diria Clèmerson Clève apud Fábio Corrêa Souza de Oliveira, “o Estado não é um fim em si mesmo. O Estado só tem sentido enquanto veículo de realização dos direitos fundamentais”[7].
É o parecer, o qual submeto à apreciação de Vossa Excelência.
 
Campo Grande, 28 de novembro de 2008.
 
 
Ricardo Gomes Façanha
Juiz de Direito Auxiliar da CGJ/MS
 


Autos n 2008.960243-6
Natureza: Administrativo
Tipo de Processo: Consulta
 
 
Homologo na íntegra o parecer ofertado pelo Juiz Auxiliar Ricardo Gomes Façanha, cujos fundamentos adoto como razões de decidir.
Extraia-se cópia do parecer e desta decisão, para fins de arquivamento nesta Corregedoria-Geral de Justiça, como de praxe, bem como remeta-se ao setor competente para publicação do parecer no site do TJMS, em seção específica.
Outrossim, considerando a relevância da matéria, encaminhe-se cópia do parecer e desta decisão à todos os Juízes com competência criminal em âmbito estadual, para conhecimento.
Às providências.
 
Campo Grande, 28 de novembro de 2008.
 
Divoncir Schreiner Maran
Corregedor-Geral de Justiça
 
 
DJMS-08(1868):3-5, 4.12.2008


[1]    CR/88, art. 5º, XII - É inviolável o sigilo da correspondência e das comunicações telegráficas, de dados e das comunicações telefônicas, salvo, no último caso, por ordem judicial, nas hipóteses e na forma que a lei estabelecer para fins de investigação criminal ou instrução processual penal;
[2]    STJ – Resp. 440.106/RJ, Rel. Ministro  PAULO MEDINA, SEXTA TURMA, julgado em 24/02/2005, DJ 09/10/2006 p. 367).
[3]     FRANCO, Alberto Silva; e STOCO, Rui. Leis Especiais e sua Interpretação Jurisprudencial. Vol. 1. 7ª ed. rev. at. e amp. p. 1793.
[4]    Luís Flávio Gomes apud Alberto Silva Franco e Rui Stoco. Id. p. 1794.
[5]    Essa decisão também foi impugnada por meio de Recurso Especial (Resp. n. 878.122/RS), ao qual foi negado seguimento no Superior Tribunal de Justiça, tendo sido os respectivos autos remetidos ao Supremo Tribunal Federal para análise do Recurso Extraordinário interposto (RE n. 543.008), todavia, a impugnação ainda não foi julgada.
[6]    Vale citar, no que interessa, parte da decisão do Ministro Gilson Dipp: “A Lei n. 9.296/96, ao disciplinar o inc. XII, parte final do art. 5° da Constituição Federal não se ocupou rotinas do procedimento de interceptação te1efônica ou de sistemas de informática e telemática. A definição delas, contudo, foi sendo organizada pela prática forense. Com a finalidade de corrigir eventuais distorções, o Conselho Nacional de Justiça, mais recentemente, aprovou a Resolução n. 59, em 09 de setembro do corrente ano. A referida norma estabelece o padrão a ser seguido, a partir de sua publicação, nos casos de interceptação telefônica ou de sistemas de informática e telemática. Diante disso, não vislumbro, no caso concreto, indicação de falta funcional a ensejar qualquer providência por parte do Conselho Nacional de Justiça”.
[7]    OLIVEIRA, Fábio Corrêa Souza. Por uma teoria dos princípios - O princípio constitucional da razoabilidade. Rio de janeiro: Lúmen Júris : 2003. p. 306.