AUTOS N. 2008.960246-7
Natureza: Administrativo
Tipo de Processo: Pedido de Providências
Requerentes: Prefeito do Município de Bandeirantes-MS
Prefeito do Município de Coxim-MS
 
 
PARECER N. 66, DE 3 DE DEZEMBRO DE 2008.
 
 
Preclaro Desembargador-Corregedor:
Os Excelentíssimos Senhores Prefeitos Municipais das cidades de Bandeirantes – MS e Coxim – MS, solicitaram, por meio dos ofícios de f. 06 e f. 07, comprovantes “dos repasses das quantias devidas ao Tribunal de Justiça de Mato Grosso do Sul sobre emolumentos” e “dos repasses das quantias devidas ao FUNJECC”, efetuados no período de janeiro de 2004 e agosto de 2008 pelo “Serviço Notarial e de Registro Civil” e pelo “Serviço Registral de Imóveis e Tabelionato de Protesto” daquelas Comarcas, para se “verificar o recolhimento de ISSQN – Imposto sobre Serviços de Qualquer Natureza”.
Por sua vez, o Excelentíssimo Senhor Secretário Municipal de Receita da cidade de Campo Grande – MS, solicitou, para a mesma finalidade, “cópia dos movimentos econômicos de arrecadação dos anos de 2004, 2005, 2006 e 2007 de todos notariais e de registros públicos estabelecidos nesta Capital”.
Parecer do Chefe de Departamento Correicional, às f. 02-05, opinando pelo indeferimento do pedido.
Passa-se ao parecer.
Inicialmente convém consignar que os serviços notariais estão previstos na Constituição da República em seu artigo 236, verbis:
Art. 236 - Os serviços notariais e de registro são exercidos em caráter privado, por delegação do Poder Público.
§ 1º - Lei regulará as atividades, disciplinará a responsabilidade civil e criminal dos notários, dos oficiais de registro e de seus prepostos, e definirá a fiscalização de seus atos pelo Poder Judiciário.
§ 2º - Lei federal estabelecerá normas gerais para fixação de emolumentos relativos aos atos praticados pelos serviços notariais e de registro.
§ 3º - O ingresso na atividade notarial e de registro depende de concurso público de provas e títulos, não se permitindo que qualquer serventia fique vaga, sem abertura de concurso de provimento ou de remoção, por mais de seis meses.
Verifica-se, com efeito, que a atividade notarial e de registro é serviço público prestado por particular em colaboração, cuja função é delegada pelo Poder Público, tendo como contrapartida o recebimento de emolumentos, que são fixados por meio de norma ordinária estadual, observadas as regras gerais previstas na Lei Ordinária Federal n. 10.169, de 29 de dezembro de 2000, que regulamentou o § 2º do citado dispositivo constitucional.
O Supremo Tribunal Federal assim define o regime jurídico dos serviços notariais e de registro:
“[...] a) trata-se de atividades jurídicas próprias do Estado, e não simplesmente de atividades materiais, cuja prestação é traspassada para os particulares mediante delegação. Traspassada, não por conduto dos mecanismos da concessão ou da permissão, normados pelo caput do art. 175 da Constituição como instrumentos contratuais de privatização do exercício dessa atividade material (não jurídica) em que se constituem os serviços públicos;
b) a delegação que lhes timbra a funcionalidade não se traduz, por nenhuma forma, em cláusulas contratuais;
c) a sua delegação somente pode recair sobre pessoa natural, e não sobre uma empresa ou pessoa mercantil, visto que de empresa ou pessoa mercantil é que versa a Magna Carta Federal em tema de concessão ou permissão de serviço público;
d) para se tornar delegatária do Poder Público, tal pessoa natural há de ganhar habilitação em concurso público de provas e títulos, não por adjudicação em processo licitatório, regrado pela Constituição como antecedente necessário do contrato de concessão ou de permissão para o desempenho de serviço público;
e) são atividades estatais cujo exercício privado jaz sob a exclusiva fiscalização do Poder Judiciário, e não sob órgão ou entidade do Poder Executivo, sabido que por órgão ou entidade do Poder Executivo é que se dá a imediata fiscalização das empresas concessionárias ou permissionárias de serviços públicos. Por órgãos do Poder Judiciário é que se marca a presença do Estado para conferir certeza e liquidez jurídica às relações inter-partes, com esta conhecida diferença: o modo usual de atuação do Poder Judiciário se dá sob o signo da contenciosidade, enquanto o invariável modo de atuação das serventias extra-forenses não adentra essa delicada esfera da litigiosidade entre sujeitos de direito;
f) as atividades notariais e de registro não se inscrevem no âmbito das remuneráveis por tarifa ou preço público, mas no círculo das que se pautam por uma tabela de emolumentos, jungidos estes a normas gerais que se editam por lei necessariamente federal. [...]”. (STF - ADI 3151 - Relator(a): Min. CARLOS BRITTO. Tribunal Pleno - julgado em 08/06/2005. DJ 28-04-2006 PP-00004 EMENT VOL-02230-01 PP-00119)
Por sua vez, a Lei Complementar Federal n. 116, de 31 de julho de 2003, em consonância com o artigo 156, inciso II, da Constituição da República, definiu os serviços a serem tributados pelos Municípios, incluindo, dentre eles, os serviços de registros públicos, cartorários e notariais (item 21, do anexo I, da Lei citada).
A inclusão deste serviço foi impugnada pela Associação dos Notários e Registradores do Brasil – ANOREG/BR perante o Supremo Tribunal Federal por meio da ADI nº 3.089-2, restando, todavia, decidido – em 13.02.08 – que tais serviços não são imunes à tributação. Senão vejamos:
“[...] As pessoas que exercem atividade notarial não são imunes à tributação, porquanto a circunstância de desenvolverem os respectivos serviços com intuito lucrativo invoca a exceção prevista no art. 150, § 3º da Constituição.
O recebimento de remuneração pela prestação dos serviços confirma, ainda, capacidade contributiva.
A imunidade recíproca é uma garantia ou prerrogativa imediata de entidades políticas federativas, e não de particulares que executem, com inequívoco intuito lucrativo, serviços públicos mediante concessão ou delegação, devidamente remunerados.
Não há diferenciação que justifique a tributação dos serviços públicos concedidos e a não-tributação das atividades delegadas. [...].” (STF - ADI 3089 - Relator(a): Min. CARLOS BRITTO. Relator(a) p/ Acórdão: Min. JOAQUIM BARBOSA. Tribunal Pleno - julgado em 13/02/2008. DJe-142 DIVULG 31-07- 2008 PUBLIC 01-08-2008 EMENT VOL-02326-02 PP-00265)
Diante disso, os Municípios, dentre eles aqueles representados pelos subscritores dos ofícios de f. 02-05, vêm se mobilizando para cobrar o crédito correspondente à esse tributo.
Ocorre, entretanto, que, in casu, os requerentes utilizaram-se de via inadequada para obter os dados necessários à fiscalização do recolhimento do mencionado tributo, conquanto é evidente que a pretensão objetiva promover uma espécie de “fiscalização indireta”, com o que não se pode compadecer, tendo em vista o poder de fiscalização conferido às autoridades administrativas, nos moldes do artigo 145, § 1º da Constituição da República, bem como nos termos do artigo 194 e seguintes do Código Tributário Nacional.
Isso porque, os requerentes pretendem obter a relação de todos os valores repassados ao Tribunal de Justiça, que correspondem a 13% do valor bruto recolhido pelos cartórios extrajudiciais a título de emolumentos por meio do chamado FUNJECC 10% (art. 37, Lei Estadual n. 3.003/2005) e do FUNJECC 3% (art. 104, III , Lei Estadual n. 1.071/1990), enquanto que o que lhes interessa é o valor total da arrecadação, sobre o qual é aplicado o percentual correspondente à alíquota do tributo em questão, e não a quantia arrecada pelo Poder Judiciário Estadual.
É evidente, pois, que com base nos valores repassados ao Tribunal de Justiça se consegue obter, por simples cálculo matemático, o valor total arrecadado pelos cartórios extrajudiciais em decorrência da prestação do serviço público em tela, a fim de se alcançar o valor do tributo devido.
Ocorre, entretanto, que essas informações são de interesse do Poder Judiciário Estadual e, ademais, sua livre destinação e aplicação, assim como o resguardo destas informações, é garantida pela independência conferida a este Poder e decorre, pois, da separação dos poderes estabelecida pela Constituição da República (art. 2º, caput).
Tais dados, a propósito, dizem respeito à prestação de serviço cuja fiscalização é atribuída ao Poder Judiciário pela Constituição da República (art. 236, § 1º), atribuição que, aliás, é feita de forma sistemática, periódica e eficaz, pois são conferidos todos os atos praticados pelos delegatários da função em apreço em determinado período de tempo, bem como o conseqüente repasse das verbas devidas a este Tribunal de Justiça.
Aliás, vale destacar, consoante mencionado alhures, que ao Poder Judiciário compete a fiscalização dos serviços prestados pelos cartórios notariais e de registro público (art. 236, § 1º, CR/88).
Eis o teor do artigo 37 da Lei Federal n. 8.935, de 18 de novembro de 1994:
Art. 37. A fiscalização judiciária dos atos notariais e de registro, mencionados nos artes. 6º a 13, será exercida pelo juízo competente, assim definido na órbita estadual e do Distrito Federal, sempre que necessário, ou mediante representação de qualquer interessado, quando da inobservância de obrigação legal por parte de notário ou de oficial de registro, ou de seus prepostos.
Parágrafo único. Quando, em autos ou papéis de que conhecer, o Juiz verificar a existência de crime de ação pública, remeterá ao Ministério Público as cópias e os documentos necessários ao oferecimento da denúncia.
Com efeito, a Lei Estadual n. 3.003, de 7 de junho de 2005, prevê uma série de mecanismos de controle dos atos praticados pelos notários e registradores, verbis:
Art. 23. A fiscalização referente à cobrança de emolumentos e despesas, de que trata esta Lei, será feita pelo Corregedor-Geral de Justiça, pelos Juízes Auxiliares da Corregedoria e pelo Juiz Corregedor Permanente, ordinária e extraordinariamente.
Art. 24. Independentemente da fiscalização do magistrado, qualquer prejudicado, mediante simples petição, poderá dirigir reclamação, por escrito, ao Juiz Corregedor Permanente, quanto à cobrança indevida de emolumentos.
§ 1º Havendo indícios de cobrança irregular de emolumentos, será formalizado o Procedimento Administrativo competente, sob a presidência do Juiz Corregedor Permanente, nos termos da legislação vigente.
[...]
Art. 25. É obrigatória nos serviços a escrituração diária do livro-caixa, no qual será lançada toda movimentação ocorrida no serviço e estará sujeito à permanente fiscalização do Corregedor-Geral de Justiça ou do Juiz Corregedor Permanente.
§ 1º A ausência do livro ou a falta ou incorreção da escrituração sujeitará o notário ou registrador em multa no valor de um salário mínimo, sem prejuízo de outras sanções administrativas, civis ou penais.
§ 2º Marcado prazo razoável para regularização ou instituição do livro caixa e não cumprida a determinação, será imputada ao delegatário multa diária correspondente à metade do salário mínimo, sem prejuízo de outras sanções administrativas, civis ou penais.
Outrossim, para facilitar esse controle, tanto pelo Poder Judiciário quanto por terceiros interessados, a Lei Federal n. 8.935, de 18 de novembro de 1994, estabelece, em seu artigo 42, que “os papéis referentes aos serviços dos notários e dos oficiais de registro serão arquivados mediante utilização de processos que facilitem as buscas”.
Por sua vez, o artigo 6º da Lei Federal n. 10.169, de 29 de dezembro de 2000, prevê que “os notários e os registradores darão recibo dos emolumentos percebidos, sem prejuízo da indicação definitiva e obrigatória dos respectivos valores à margem do documento entregue ao interessado, em conformidade com a tabela vigente ao tempo da prática do ato”.
Percebe-se, portanto, que pela simples comparação entre os documentos arquivados – em cuja margem são lançados os valores dos emolumentos – e os dados lançados no livro (a que se refere o artigo 25 da Lei Estadual n. 3.003, de 7 de junho de 2005 e os artigos 11 e 12 do Provimento n. 15, de 1º de novembro de 2005, desta Corregedoria-Geral de Justiça) pode se verificar eventual irregularidade no repasse das verbas devidas, seja para o FUNJECC, seja para o fisco municipal.
Vale ressaltar, ainda, que “as tabelas de emolumentos serão publicadas nos órgãos oficiais das respectivas unidades da Federação, cabendo às autoridades competentes determinar a fiscalização do seu cumprimento e sua afixação obrigatória em local visível em cada serviço notarial e de registro” (art. 4º, Lei 10.169/2000).
Nesse compasso, é certo que se há verificação de eventual repasse incompleto esta Corregedoria-Geral de Justiça deve adotar – como tem adotado – as providências necessárias para que o delegatário proceda da forma prevista em lei, sob pena de responsabilização nas esferas civil, criminal e administrativa (art. 7º, Lei n. 10.169/2000 c/c art. 22 e ss. da Lei n. 8.935/1994).
Isso, à evidência, garante que o recolhimento de outras verbas incidentes sobre os emolumentos seja também realizado em sua integralidade, de maneira que, a princípio, não haveria necessidade de “conferência” pela autoridade fiscal administrativa.
Mas de qualquer forma, a harmonia entre os Poderes permite essa troca de informações, mas desde que seja adotado o procedimento adequado, diferente dessa aparente “requisição” de informações, que objetiva, como afirmado, obter números que vão além da necessidade do ente tributante.
Isso porque, em eventual recolhimento a menor, o que interessa à autoridade administrativa é apenas o quantum sobre o qual não foi recolhido o imposto devido, ou seja, a interesse recai sobre um valor parcial, que foi arrecadado pelo delegatário, mas sobre o qual não foram deduzidas as verbas devidas, e não sobre todo o valor repassado ao Tribunal.
Como exemplo, pode se citar a possibilidade de se firmar convênio entre o ente tributante e o Tribunal de Justiça de Mato Grosso do Sul ou, quiçá, outra modalidade de parceria que viabilize a remessa das informações que verdadeiramente interessam aos Municípios requerentes, a fim, inclusive, se evitar a repetição de atos de fiscalização nos cartórios extrajudiciais, que poderiam implicar, inclusive, prejuízos a efetiva prestação do serviço público em questão.
Ademais, é de extrema relevância destacar que o Imposto sobre Serviços de Qualquer Natureza – ISSQN é tributo cujo lançamento do crédito é feito por homologação, “pois é o próprio sujeito passivo que, a cada fato gerador, calcula o montante do tributo devido e antecipa o pagamento sem prévio exame da autoridade administrativa, cabendo a esta verificar a correção do procedimento e, se for o caso, homologá-lo, podendo, ainda, lançar de ofício as diferenças porventura devidas”
Desta forma, é de verificar que, nos termos do artigo 150, § 1º, do Código Tributário Nacional, o pagamento antecipado do tributo somente extingue o crédito “sob condição resolutória da ulterior homologação do lançamento”, ou seja, eventual recolhimento a menor não impede futuros lançamentos de ofício pela autoridade administrativa, que detém, repita-se, poder de fiscalização para averiguar eventual sonegação.
Mas, à evidência, esse poder não permite a “requisição” de documentos sem justificativa plausível, de forma a se verificar a existência de presunção quanto à falta de recolhimento dos tributos devidos ao fisco municipal pelos cartórios extrajudiciais em questão.
A autoridade administrativa tem, pois, outros meios de verificar (fiscalizar) eventual sonegação fiscal, tanto que o artigo 145, § 1º da Constituição da República dispõe claramente que é “facultado à administração tributária [...] identificar, respeitados os direitos individuais e nos termos da lei, o patrimônio, os rendimentos e as atividades econômicas do contribuinte”.
Por outro lado, o próprio artigo 194 do Código Tributário Nacional dispõe que “a legislação tributária [...] regulará, em caráter geral, ou especificamente em função da natureza do tributo de que se tratar, a competência e os poderes das autoridades administrativas em matéria de fiscalização da sua aplicação”.
Isso significa, portanto, que o CTN faculta ao ente tributante a utilização da própria legislação instituidora do tributo para criar e especificar os poderes da autoridade fiscal, a fim de se criar métodos de controle e fiscalização do correto recolhimento do imposto devido.
Diante dessa perspectiva, portanto, conclui-se pela impertinência e inviabilidade de atendimento à “solicitação” feita pelos requerentes.
É o parecer, o qual submeto à apreciação de Vossa Excelência.
 
 
Campo Grande, 3 de dezembro de 2008.
 
Ricardo Gomes Façanha
Juiz de Direito Auxiliar da CGJ/MS
 
 
DECISÃO DO EXCELENTÍSSIMO SR. CORREGEDOR-GERAL DE JUSTIÇA
 
AUTOS N. 2008.960246-7
Natureza: Administrativo
Tipo de Processo: Pedido de Providências
Homologo na íntegra o parecer ofertado pelo Juiz Auxiliar Ricardo Gomes Façanha, cujos fundamentos adoto como razões de decidir.
Extraia-se cópia do parecer e desta decisão, para fins de arquivamento nesta Corregedoria-Geral de Justiça, como de praxe, bem como remeta-se ao setor competente para publicação do parecer no site do TJMS, em seção específica (corregedoria/legislação/atos normativos/pereceres judiciais).
Outrossim, considerando a relevância da matéria, encaminhe-se cópia do parecer e desta decisão a todos os Juízes Diretores do Foro, bem como para à ANOREG/MS, para conhecimento.
Comunique-se os consulentes.
Às providências.
 
Campo Grande, 3 de dezembro de 2008.
 
Divoncir Schreiner Maran
Corregedor-Geral de Justiça
 
 
DJMS-08(1872):2-4, 11.12.2008