AUTOS N. 2008.960253-9
 
Natureza: Administrativo
Tipo de Processo: Consulta
Consulente: Fabio Zonta Pereira
Assunto: Consulta a respeito da vigência da súmula 377 do STF, em face da Lei 10.406/2002 (Novo Código Civil)
 
 
PARECER N. 67, DE 10 DE DEZEMBRO DE 2008
 
 
Preclaro Desembargador-Corregedor:
Fabio Zonta Pereira, Notário e Registrador do Segundo Serviço Notarial e de Registro Civil das Pessoas Naturais da Comarca de Cassilândia - MS, formulou consulta ao Juiz Diretor do Foro e Corregedor Permanente da referida comarca, indagando acerca da aplicabilidade da Súmula n. 377 do Supremo Tribunal Federal – STF - após a entrada em vigor do Novo Código Civil.
Instado para manifestar sobre o assunto, o Ministério Público Estadual opinou pela incidência da Súmula n. 377 do STF na vigência do Código Civil de 2002 (f. 05-08), asseverando, em síntese, que a doutrina e jurisprudência são praticamente unânimes quanto à manutenção das razões da súmula, bem como quanto a sua aplicabilidade depois do advento da Lei n. 10.406/2002.
Em resposta à consulta (f. 09-11), o Juiz Diretor do Foro e Corregedor Permanente da Comarca de Cassilândia - MS, esposando do entendimento manifestado pelo Ministério Público Estadual, concluiu que a Súmula n. 377 do STF continua aplicável na vigência do Novo Código Civil e, por entender que  a matéria é de interesse geral, merecendo, por isso, tratamento uniforme em todo o Estado, nos termos do artigo 17 do Provimento n. 001/2003, remeteu os autos a este Órgão Correicional para a normatização da decisão.
Passa-se ao parecer.
Conforme relatado, a matéria ora tratada cinge-se à aplicabilidade da Súmula n. 377 do Supremo Tribunal Federal após a entrada em vigor do Novo Código Civil.
Muito embora se tenham por relevantes os motivos que levaram o magistrado consultado a pronunciar-se pela incidência da mencionada súmula na atualidade e julgá-la merecedora de tratamento uniforme em todo o Estado, constata-se que o tema é insuscetível de atribuição de efeito normativo por esta Corregedoria.
Isso porque, analisando o assunto, verifica-se tratar-se de questão jurisdicional, alheia à competência deste Órgão Orientador e Fiscalizador da Justiça Estadual.
Com efeito. A questão atinente à continuidade da aplicação da Súmula n. 377 do STF depois do advento do Código de Civil de 2002 mostra-se controvertida, sendo impossível manifestar-se sobre ela sem ingressar no campo jurisdicional.
Para melhor compreensão dos argumentos até então expendidos, cumpre esclarecer o teor da referida súmula, o contexto em que ela se insere e a problemática que envolve.
A Súmula n. 377 do STF, que versa sobre a possibilidade de, no regime de separação legal de bens, comunicarem-se os bens adquiridos na constância do casamento, foi editada no ano de 1.964, época em que ainda vigia o Código Civil de 1.916, e apresentou-se como um recurso para abrandar o rigor da regra inserta no parágrafo único do artigo 258 do referido Codex, que impunha o regime de separação obrigatória de bens para celebração de determinados casamentos.
Mencionado dispositivo legal traduzia a intenção do legislador de proteger certas pessoas que, no seu entender, ao contraírem matrimônio, estariam à mercê de algum tipo de exploração patrimonial, em razão da sua idade ou condição pessoal (órfão, menor de idade).
Observou-se, entretanto, que a norma contida no artigo 258, parágrafo único, do Código Civil de 1.916, acabava criando situações injustas, pois, em caso de dissolução do matrimônio, um dos cônjuges era privado do patrimônio construído na constância do casamento e adquirido com o esforço comum.
Foi assim, para atenuar as injustiças manifestadas no âmbito dos casamentos celebrados sob o regime de separação legal de bens e evitar o enriquecimento ilícito de um dos cônjuges, bem como o prejuízo à parte mais fraca, que surgiu a Súmula n. 377 do STF.
Durante a vigência do Código Civil de 1.916, não se questionava a aplicação da súmula reportada, haja vista o que dispunha o artigo 259 deste mesmo código, in verbis: “Art. 259. Embora o regime não seja o da comunhão de bens, prevalecerão, no silêncio do contrato, os princípios dela, quanto à comunicação dos adquiridos na constância do casamento”.
Ocorre que, com a entrada em vigor do Novo Código Civil, em 2.002, apesar de mantido o preconizado pelo artigo 258, parágrafo único, do Código Civil de 1.916, suprimiu-se o artigo 259, que servia de sustentáculo à Súmula n. 377 do STF.
Nesse contexto, não mais subsistindo os ditames do artigo 259 do Código Civil de 1.916, é que exsurge a indagação sobre a aplicabilidade da aludida súmula.
Pois bem. Em breve consulta à doutrina e jurisprudência, observa-se que ainda existe divergência quanto ao assunto.
Confira-se, primeiramente, como alguns  Tribunais pátrios têm se pronunciado a esse respeito:
EMENTA: SEPARAÇÃO JUDICIAL. PARTILHA. REGIME DA SEPARAÇÃO OBRIGATÓRIA DE BENS. COMUNICAÇÃO DOS AQÜESTOS. PEDIDO DE SUPRESSÃO DE EXPRESSÕES. DESCABIMENTO. 1. Se o regime de bens do casamento era o da separação obrigatória, comunicam-se os bens adquiridos a título oneroso durante a convivência conjugal, sendo descabido questionar qual a contribuição do cônjuge para aquisição do patrimônio comum. Súmula n. 377 do STF. 2. Constitui noção elementar que a função da jurisprudência é interpretar a lei, sendo que a súmula indica a consolidação de uma determinada interpretação feita pelos tribunais. É elementar, também, que interpretação é a definição do significado da norma jurídica, e esta deve ser feita tanto pela doutrina quanto pela jurisprudência. 3. Descabe o pedido de supressão de termos e expressões na decisão quando não constatado qualquer conteúdo injurioso ou ofensivo à parte ou ao advogado. Recurso desprovido. (SEGREDO DE JUSTIÇA) (Apelação Cível N. 70020466884, Sétima Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Sérgio Fernando de Vasconcellos Chaves, Julgado em 07/11/2007)
AGRAVO DE INSTRUMENTO - INVENTÁRIO - CÔNJUGE SUPÉRSTITE CASADA COM O AUTOR DA HERANÇA SOB O REGIME DE SEPARAÇÃO OBRIGATÓRIA DE BENS - PEDIDO DE HABILITAÇÃO - DEFERIMENTO - RECONSIDERAÇÃO - EXCLUSÃO DA ESPOSA DA CONDIÇÃO DE BENEFICIÁRIA DO ESPÓLIO - INSURGÊNCIA - DIREITO, EM TESE, À MEAÇÃO - INTELIGÊNCIA DA SÚMULA 377 DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL - DIREITO REAL DE HABITAÇÃO - MATÉRIA NÃO APRECIADA PELO JUÍZO SINGULAR - IMPOSSIBILIDADE DE CONHECIMENTO EM SEDE DE AGRAVO DE INSTRUMENTO, SOB PENA DE SUPRESSÃO DE INSTÂNCIA - DECISÃO REFORMADA - RECURSO PARCIALMENTE PROVIDO.
No casamento celebrado sob o regime de separação obrigatória de bens (art. 258, parágrafo único, do Código Civil de 1916 e art. 1.641 do Código Civil de 2002), ao cônjuge supérstite assegura-se a partilha igualitária do patrimônio adquirido na constância do matrimônio, nos termos do que preceitua a Súmula 377 do Supremo Tribunal Federal. (Agravo de Instrumento n. 2006.017309-5, 2ª Câmara de Direito Civil, Tribunal de Justiça de SC, Relator: Mazoni Ferreira, Data: 22/02/2008)
Ementa: Inventário - Pretensão de herdeiro necessário à meação em numerário depositado - Regime da separação legal - Não aplicação da Súmula 377 do STF - Necessidade de comprovação, pela via autônoma, de que o bem foi adquirido por meio de esforço comum, de modo a se operar, eventualmente, a comunicação - Agravo não provido. (Agravo de Instrumento n. 3738744900, 4ª Câmara de Direito Privado, Data de registro: 30/03/2005, Tribunal de Justiça de SP, Relator: José Geraldo de Jacobina Rabello) (destaquei)
O Desembargador Relator do Agravo de Instrumento supracitado (TJSP, n. 3738744900), em seu voto, sustentando a inaplicabilidade da Súmula n. 377 do STF, destacou:
“No caso, a melhor orientação da matéria está em que não possível aplicar a Súmula 377, uma vez que o Código Civil em vigor não mais repete o disposto no artigo 259 do anterior diploma, pelo qual, em matéria de comunicação dos bens adquiridos na constância do casamento, prevaleceriam os princípios da comunhão, no silêncio do contrato. Em tais condições, é necessário aferir se houve ou não a ocorrência de esforço comum para a aquisição dos aquestos, cuja metade ideal é objeto de controvérsia, podendo haver a comunicação somente na hipótese de resposta positiva.” (destaquei)
No mesmo sentido, o doutrinador Silvio Rodrigues preleciona:
“O novo Código Civil deixa de reproduzir a regra contida no vigente art. 259. Dessa forma, omisso o contrato ou na imposição da lei, deverão prevalecer as regras pertinentes a cada modalidade de regime de bens, não mais se admitindo venham a prevalecer os princípios da comunhão parcial quanto aos bens adquiridos na constância do casamento. A exceção deve ser feita, exclusivamente, se comprovado o esforço comum dos cônjuges, decorrendo daí uma sociedade de fato sobre o patrimônio incrementado em nome de apenas um dos consortes. Mas a comunhão pura e simples, por presunção de participação sobre os bens adquiridos a título oneroso, como se faz no regime legal, e até então estendida aos demais regimes, deixa de encontrar fundamento legal. Curioso observar sobre essa questão que a versão aprovada pelo Senado Federal acrescentava, no art. 1.641, o complemento "sem a comunhão de aqüestos". Essa redação, sem dúvida, deixaria clara a rejeição do legislador à Súmula 377. Aprovado por votos de liderança na Câmara, na forma publicada no Diário Oficial, este complemento foi excluído. Mas não se deve entender daí que a Súmula 377 foi prestigiada, na abrangência proclamada pelos julgados acima indicados, pois sua origem decorre, como visto, do disposto no artigo 259 referido. Assim, pela análise global das regras propostas no Código de 2002, não deverá subsistir a orientação consagrada na Súmula, aplicando o regime da comunhão parcial quando imposta a separação obrigatória. Comprovada, porém, a conjunção de esforços para a aquisição de bens, estes devem ser partilhados quando da dissolução do casamento." (Direito Civil - Direito de Família, com anotações sobre o novo Código Civil,  27ª edição atualizada por Francisco José Cahali, Ed. Saraiva, 2002, v. 6, p. 190) (destaquei)
Por outro lado, em defesa da aplicabilidade da Súmula n. 377 do STF, temos os ensinamentos de Sílvio de Salvo Venosa:
"A jurisprudência, no entanto, procurou abrandar iniqüidades em casos concretos trazidos pelo texto objetivo da lei, como apontamos. A maioria dos casamentos realizados sob o regime da separação legal é de jovens que amealham seu patrimônio no curso do casamento. Seria injusto, em princípio, não se comunicarem os bens adquiridos pelo esforço comum. A intenção do legislador, porém, não foi essa. A idéia, todavia, é de que, mesmo se casando sob o regime da separação, durante o casamento estabelece-se uma sociedade de fato entre os esposos, e os bens são adquiridos pelo esforço comum. A discussão dessa matéria nos tribunais redundou na Súmula 377 do STF: "No regime de separação legal de bens comunicam-se os adquiridos na constância do casamento." Não entendamos, contudo, que a questão se encontra isenta de discussões. A súmula não ressalva que os bens que se comunicam são os comprovadamente decorrentes do esforço comum. Essa matéria é daquelas nas quais há um descompasso entre a doutrina e a jurisprudência. Nova discussão sobre a matéria será aberta, doravante, com o novo Código. Acreditamos, embora seja um mero vaticínio, que mesmo perante o novo Código, será mantida a orientação sumulada, mormente porque, como vimos, o texto final de novo diploma suprimiu a disposição peremptória."(Direito Civil - Direito de Família, 3ª Edição, São Paulo, Ed. Atlas S.A., 2003, v.6, p. 176-177) (destaquei)
Poder-se-ia, ainda, citar várias outras  decisões e doutrinas, ora repelindo a súmula em tela, ora defendendo-a, no entanto, tal mostra-se prescindível, pois já demonstrado, a toda evidência, que a questão é controversa.
Nessa senda, em que pese o zelo do magistrado consultado, para comungarmos do seu entendimento, afirmando que a Súmula n. 377 do STF continua válida, chegando ao ponto de normatizar tal posicionamento em nosso Estado, necessário seria adentrar no campo jurisdicional, o que, como cediço, extravasa a competência deste órgão Censório.
Sem dúvidas, como se trata de matéria essencialmente jurisdicional, a Corregedoria, órgão censor, não pode deliberar sobre o assunto. Caberá aos juízes de cada comarca, na medida em que a questão lhes for apresentada, decidir acerca da aplicabilidade ou não da Súmula n. 377 do STF, de acordo com suas convicções, sensibilidade e regras da hermenêutica.
Evidente, portanto, que não há como esta Corregedoria-Geral da Justiça editar normas ou orientações a respeito da aplicabilidade da  Súmula n. 377 do STF.
Diante de todo o exposto, o parecer que, respeitosamente, submeto à elevada apreciação de Vossa Excelência é no sentido de que é impossível normatizar a matéria atinente à aplicabilidade (ou não) da  Súmula n. 377 do STF após a entrada em vigor do Novo Código Civil, haja vista a inviabilidade de fazê-la sem ingressar na seara jurisdicional.
Campo Grande, 10 de dezembro de 2008.
 
Ricardo Gomes Façanha
Juiz de Direito Auxiliar da CGJ/MS
 
 
AUTOS N. 2008.960253-9
 
Natureza: Administrativo
Tipo de Processo: Consulta
 
 
Vistos.
 
Homologo o parecer emitido pelo Juiz Auxiliar Ricardo Gomes Façanha, em todos os seus termos.
Comunique-se ao consulente, ao Juiz consultado, ao Ministério Público Estadual da comarca de origem, bem como aos Juízes Diretores dos Fóruns, encaminhando-se a todos cópia do parecer e deste despacho.
Publique-se no sítio eletrônico do TJMS.
Satisfeitas as formalidades, arquivem-se.
 
Campo Grande, 10 dezembro de 2008.
 
 
Des. Divoncir Schreiner Maran
Corregedor-Geral de Justiça